segunda-feira, 9 de maio de 2022

ESPÍRITAS, AMAI-VOS, INSTRUÍ-VOS E POLITIZAI-VOS!


Por: Rodrigo Sales
 


Ao longo das últimas décadas circulou entre os espíritas brasileiros a ideia de que o Espiritismo é uma doutrina apolítica para responder ao questionamento de que os assuntos sobre Espiritismo e Política não poderiam se misturar, dialogar ou provocar compromissos de atuação na sociedade através dos movimentos sociais e da luta pela garantia e manutenção de direitos advindos desses mesmos movimentos.

O fazer espírita, segundo os que defendem um Espiritismo apolítico, deveria ser restrito ao estudo das obras de Allan Kardec e o centro espírita se tornaria o lugar mais adequado para construir o chamado “trabalho espírita” que também passou a ser entendido através da prática de palestras públicas com um mesa na tribuna em que um único palestrante fala por quase uma hora, aplicação de passes e fluidoterapia, seguido da água fluidificada, atendimento fraterno, tratamento espiritual da obsessão, evangelização infantojuvenil, distribuição de sopa e cestas básicas, livraria e biblioteca junto com bazar e cantina de lanches, campanha do quilo e a chamada divulgação doutrinária com a publicação de textos, vídeos e artigos em jornais e redes sociais falando sobre o Espiritismo e o evangelho de Jesus.

Nessa seara de afazeres espíritas, recheada de muitos trabalhos, falar de Política e seus desdobramentos nas questões sociais tornou-se algo proibido, evitado e silenciado ao ponto de ser enquadrado como assunto antidoutrinário.

O espírita encarnado ou desencarnado que defende e divulga a ideia de que o Espiritismo é apolítico e ajuda a difundir o pensamento de que falar de Política é algo antidoutrinário, evidencia o quanto que desconhece sobre o que de fato é o fazer espírita a partir da noção fundamental de Espiritismo apresentada por Allan Kardec. E a razão desse desconhecimento se dá pelo fato de não saber o que é algo “apolítico” e “antidoutrinário” e ainda correlacionar essas palavras com um sentimento de advertência de modo a evitar o diálogo sobre Espiritismo e Política.

Apolítico, segundo o dicionário, é tudo aquilo que não é político, que não apresenta significado político, é aquilo ou aquele que não se interessa por política ou por ela tem aversão. Já antidoutrinário seria significado também pelo dicionário como tudo aquilo que está em desacordo com uma certa doutrina. Além disso, o próprio conceito de Política precisa também ser esclarecido de modo a espantar o fantasma que essa palavra representa.

No imaginário de muitos espíritas encarnados e desencarnados, a Política é entendida como sinônimo de politicagem o que acaba trazendo para essa palavra o sentido de algo sujo, errado, imoral, não ético ou que vibratoriamente não é bom para as energias da casa espírita e nem para a mente dos ditos médiuns que podem se desequilibrar e serem assediados por maus Espíritos que encontrariam brechas se assuntos ligados à Política fossem trazidos e abordados pelo Espiritismo. Quando, em verdade, a Política é uma ciência da sociedade, fruto de saberes humanos que foram desenvolvidos e aprimorados ao longo da História, acompanhando a evolução das sociedades e da própria compreensão dos seres humanos sobre as necessidades que possuem nos grupos sociais em que estão inseridos e que compõem as nações ao redor de todo o planeta Terra.

Política é uma arte de pensar e estruturar as instituições oferecedoras de serviços que objetivam atender as demandas e necessidades das pessoas que se relacionam socialmente. Em outras palavras, a Política é a expressão pensada, falada, estruturada, registrada e sentida dos Espíritos encarnados e desencarnados ao longo da História, nas diversas sociedades com seus aspectos culturais característicos. É, portanto, fruto das escolhas dos Espíritos encarnados com todas as suas boas ou más influências por parte dos Espíritos desencarnados.

Devidamente conceituadas estas palavras, façamos agora o exercício de questionar se de fato o Espiritismo não pode dialogar com a Ciência Política, como muitos defendem. Consultando o próprio Kardec, como pedem aqueles que defendem um Espiritismo apolítico, questiona-se como podemos estudar a pergunta 573 de O Livro dos Espíritos quando Kardec busca entender em que consiste a missão dos Espíritos encarnados, cuja resposta fala sobre a instrução dos homens para auxiliar com o progresso desses e complementa falando sobre o melhoramento das instituições por meios diretos e materiais, e não vermos o conceito de Política presente?

Ainda dessa obra, como estudar em sua questão 818, que aborda a inferioridade moral da mulher em certas regiões como sendo o resultado do predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu o homem e também resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a fraqueza, e não vermos de forma clara o conceito de Política presente?  Sobretudo a Política de acolhimento e proteção às mulheres e a luta pela garantia dos direitos civis dessas mulheres de modo a tornar justa e equivalente a posição social ocupada por elas e os homens, que historicamente fizeram as leis só para si e venderam a ideia de que a mulher é o sexo frágil, sendo este último pensamento uma imensa tolice de homens moralmente pouco adiantados que formatam seus direitos através da força e da opressão.

Como estudar a questão 797, do mesmo livro, sobre a reformulação das leis da sociedade cuja resposta central passa pelo reconhecimento de que é pela força das coisas e pela influência das pessoas de bem que guiam a marcha do progresso e que são essas as responsáveis a reformular tantas leis que ainda são cruéis e injustas e que validam desigualdades e encobertam violências dos mais diversos matizes, e não vermos a flagrante presença da Política como essência do ensinamento? Ou ainda, quando vemos o conceito de que todos os Espíritos possuem fundamentalmente e primariamente o direito à vida, na pergunta 880, e não reconhecermos o compromisso político que se lança sobre os ombros dos espíritas para garantir uma vida com qualidade para mulheres, crianças, idosos, negros, indígenas, gays, lésbicas, transexuais, travestis, pobres, periféricos, suburbanos e pessoas em condição de rua e extrema miséria?

É tão nítido o potencial dialógico do Espiritismo com a arte Política e com todos os desdobramentos possíveis através das temáticas presentes na sociedade, que nem de longe, nem no pior dos pesadelos, nem na mais complexa obsessão, nem na maior obscuridade umbralina se pode admitir chamar o Espiritismo de apolítico ou que dialogar sobre Política seja considerado assunto antidoutrinário. O Espiritismo nunca foi e nunca será apolítico porque o fazer espírita é por si só um fazer político que visa atuar no mundo trazendo a perspectiva do Espírito imortal de modo a contribuir com a espiritualização dos seres humanos.

O Espiritismo almeja mudar hábitos culturalmente engessados em crenças materialistas e inaugurar uma nova fase na humanidade marcada pela renovação social em que os homens e mulheres, espiritualizados e conscientes das suas missões enquanto encarnados, assumam as instituições presentes na sociedade direcionando-as para o atendimento das demandas de um mundo que clama por justiça e igualdade social e sobretudo por amor, o mais elevado de todos os sentimentos. 

Sendo assim, conclamemos: Espíritas, amai-vos, instruí-vos e politizai-vos hoje, amanhã e sempre. Assim seja!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referencial Bibliográfico

 

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos: princípios da doutrina espírita. Livraria Allan Kardec Editora, 2007.

 

 

 

 


Um comentário:

  1. Enquanto a maioria dos espíritas encararem a política como algo antidoutrinário e negativo para a casa espíritas, deixaremos de cumprir com nossa missão de espíritos imortais que é ajudar ao progresso do planeta. O silêncio dos " bons" propicia a ação dos maus!

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