segunda-feira, 27 de junho de 2022

Quanto Vale uma Vida? Por Alexandre Júnior.





         O capitalismo institui, a partir de suas estruturas cruéis e nefastas, o valor à vida humana. Desta forma, o Estado distribui seu capital e serviços a partir da valia que ele dá aos corpos beneficiados pelos mesmos. Ou seja: o valor dessa mesma vida depende da representatividade social a que pertence este sujeito!

         Entendemos facilmente por que o Brasil; é o 4° país no planeta que mais mata ativistas ambientais.

         Antes de qualquer altercação secundária: Quem matou e quem mandou matar Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes? Quem matou e quem mandou matar o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips?

         Na esteira do capitalismo, o neoliberalismo, sua versão mais excludente, comunga com as práticas fascistas e com a produção da chamada necropolítica. Não desejam a vida ou o respeito à natureza, mas sim o lucro e o poder acima de tudo e de todos!

         Daí surgir a pergunta: Quanto Vale uma Vida?

         Onde estão concentrados os grandes investimentos do Governo na proteção social das pessoas? O aparelhamento do Estado visa servir a quem?

         Diante da realidade apresentada nestas reflexões iniciais, indagamos: Onde está o Movimento Espírita Brasileiro Hegemônico Federativo Institucionalizado, diante de todas estas realidades sociais aterrorizantes e perversas dos dias atuais? Em quantas notas o referido Movimento se manifestou sobre está realidade social? Qual o seu posicionamento diante deste descalabro? O silêncio e a omissão são formas de comunicar?

         Conclamamos reflexões que nos levem a entender que o espiritismo não é omisso às questões sociais de nosso tempo, bem como não é apolítico; senão vejamos o que nos fala Kardec. Comecemos com o Livro dos Médiuns (Kardec, 2017): “O Espiritismo, já o dissemos, se relaciona com todos os problemas da Humanidade. Seu campo é imenso e devemos encará-lo sobretudo quanto às suas consequências”. Ora, se o próprio Kardec fala abertamente sobre a relação do Espiritismo com todos os problemas humanos, de onde vem a negação desta realidade de uma parte muito significativa dos Espíritas brasileiros?

         Trazemos a discussão agora a partir de um artigo da Revista Espírita de Junho de 1868:

O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância. (Kardec, 2018),

 

Neste ponto específico, os preconceitos sociais são caracterizados por Kardec como um dos inimigos do progresso humano – compreendemos desta maneira, e por isso dizemos repetidas vezes: não haverá mundo de regeneração sem igualdade e justiça social, até vencermos estes inimigos comuns citados no texto acima.

Damos prosseguimento às nossas reflexões Kardecianas, agora usando A Gênese como base:  

 

“Com a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raça e de casta, já que o mesmo Espírito pode renascer, rico ou pobre, grande senhor ou proletário, mestre ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravatura, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, não existe nenhum que supere em lógica, o fato material da reencarnação. Desse modo, assim como a reencarnação fundamenta numa lei da natureza o princípio da fraternidade universal, também fundamenta na mesma Lei o princípio da igualdade dos direitos sociais e, por consequência, o da liberdade. ” (Kardec, 2007)

 

            A reencarnação, aqui expressa pelo querido Professor Francês, não possui uma ideia em si mesma de criar castas e/ou justificar a opulência de uns e a total falta de outros, não valida a famigerada meritocracia, seja ela do mundo dos vivos ou do mundo dos mortos. Assim, (Júnior, 2022) nos diz: “Nesse sentido, nenhuma hegemonia cultural, econômica ou social opressora deverá encontrar a sua razão de existir na forma de se conceber a reencarnação, tendo o Espiritismo como referencial teórico”.

         Compreendemos que a partir da reencarnação em uma perspectiva Espírita, a ideia é que todos, todas e todes tenham as mesmas possibilidades, partindo o Espiritismo da visão de um ser integral, de proporcionar-lhes possibilidades para a ampla ação de vida, para que todas as suas potencialidades possam ser motivadas a serem vivenciadas e ampliadas no espiritual, no afetivo, no emocional, no material e no social.

         Assim, (Júnior, 2022), continua:

 

A reencarnação tem uma ação educativa em vez de punitiva. Divina e diametralmente oposta à demoníaca; libertadora e antagônica a qualquer tipo de postura aprisionante. Sua ação sobre nós é de possibilidades de aprendizado através de sucessivas oportunidades, nas quais vamos, por intermédio dos embates sociais, concordando e discordando, formatando-nos como cidadãos cósmicos, seres universais, criaturas divinas, constituindo-nos naquilo que somos. (Júnior, 2022),

 

            É importante posicionarmos os nossos pensamentos sobre a reencarnação, já que a mesma robustece, valida e legitima a nossa busca por igualdade e justiça social a partir da compreensão do Espiritismo.

         Damos prosseguimento às nossas digressões Kardecianas, desta vez usaremos O Livro dos Espíritos, na pergunta 806. “A desigualdade das condições sociais é uma lei natural?  Não, ela é obra do homem e não de Deus.” Compreendemos que não sendo essas desigualdades e injustiças sociais ações divinas, cabe portanto a quem as criou o dever de extirpá-las! Desta maneira, as ações de enfrentamento às causas dessa problemática precisam e devem ser amplamente combatidas – e não apenas os seus efeitos! Combater a fome é extremamente necessário e urgente. Mas perguntar e entender por que tantas pessoas passam fome é imprescindível.

         Assim vamos estabelecendo de que maneira as relações sociais vão se instituindo e como produção de políticas públicas que contemplem as diversas demandas de nosso povo são importantes, levando em consideração as especificidades construídas a partir das diferenças culturais e identitárias que nos formam!

         Ainda no Livro dos Espíritos, está a pergunta 799, com sua respectiva resposta:

 

Por que meios pode o Espiritismo contribuir para o progresso? “Ao destruir o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz os homens compreenderem onde estão os seus verdadeiros interesses. Por não estar mais velada pela dúvida, o conhecimento da vida futura será apreendido pelo homem, que entenderá que pode assegurar o seu futuro pelo próprio presente. Ao destruir os preconceitos de seita, casta e cor, o Espiritismo ensina aos homens a grande solidariedade que deve uni-los como irmãos. ” (Kardec, 2007)

 

            Possuímos um enorme desafio, a partir do que chamaríamos de um Espiritismo espiritualista – embora pareça redundância – instituirmos a possibilidade de nos vermos irmãos, sem negar as diferenças que nos formam. O não respeito a este pensamento torna o Movimento Espírita Brasileiro Hegemônico Federativo Institucionalizado materialista, assim como nos diz Alexandre Júnior, no seu livro Espiritismo, Educação, Gênero e Sexualidades: Um Diálogo com as Questões Sociais:

 

O movimento espírita brasileiro é materialista quando valida os preconceitos, não luta contra eles de forma orgânica e não tem, por exemplo, uma campanha “oficial” contra os preconceitos. É materialista quando institui em suas relações sociais internas e externas o processo de hierarquização dos corpos, no seu “modus operandi” (Júnior, 2022)

 

            Chegamos a estas reflexões para podermos compreender um dos motivos pelos quais, segundo nossas pesquisas, o referido Movimento convive com as desigualdades e injustiças sociais e não possuí ações discursivas, pedagógicas ou práticas para lidar com as mesmas. E desta forma, torna-se incapaz de ajudar na formação de um Ser Espiritual dentro da cultura do seu tempo.

         Este silêncio promovido pelo Movimento Espírita Brasileiro Hegemônico Federativo Institucionalizado é ensurdecedor, e como vimos, não se sustenta em Kardec. Reproduz em suas práticas as normas sociais vigentes, guiada muitas vezes por um religiosismo que beira o fundamentalismo, e que por sua vez é alimentado por um conservadorismo extremo. E este processo não coaduna com as práticas do nosso guia e modelo, Jesus de Nazaré.

         Será que o Jesus dos Espíritas verdadeiramente “não comprou uma pistola, porque em sua época não existia?”, ou será que ele defende a tese de que “bandido bom é bandido morto?” Ou ainda que direitos humanos serviram para “humanos direitos?” Ou ele teve 4 filhos e no 5º “fraquejou”, daí nascendo uma mulher? Será que ele diria à mulher adúltera: “Não te estrupo por que você não merece?”.  Ou talvez: “Meus filhos não namorariam uma negra por que foram bem educados!”. Estas são falas em voga na atualidade – seriam elas relacionadas verdadeiramente com o Evangelho?

         Seria possível conjugar em uma mesma frase Lucas 10:27:  “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”, mas “bandido bom é bandido morto”?

Ou ainda consoante expresso em Mateus 25, 35:36. “Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me”, e assim “façamos arminha com as mãos” e defendamos a necropolítica, a política armamentista. Ou que ainda não nos incomodemos com os assassinatos de Chico Mendes, Irmã Dorothy Stang, Marielle Franco, Anderson Gomes, Miguel Otávio, Dandara dos Santos, Evaldo Rosa e tantas anônimas e anônimos que tombam com seus corpos transgressores sem vida, para que os “homens de bem” tenham bons sonhos!

         Precisamos construir diálogos que se sustentem teoricamente. Precisamos viver a “Religião da Intimidade”, “a Fé Raciocinada”; mas se para vivermos alguma religião precisarmos ser insensíveis às dores de almas que pensam diferentes de nós; se para reverenciar nosso deus negamos vidas, e nos fechamos ao amor pelos diferentes, há algo de errado em nossa forma de adorar!

         Nos diz Freire: “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”.

         Nas arenas romanas, os desafios eram não abjurar a Jesus de Nazaré, e se entregar em sacrifício. As arenas do campo sócio-político-religioso vitimaram O Cristo numa crucificação infame. Já nos dilemas dos dias de hoje, na “nossa Pátria mãe gentil, Choram Marias e Clarices no solo do Brasil”, pois “num tempo, página infeliz da nossa história, passagem desbotada na memória das nossas novas gerações, dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”.

         E nós apenas sentimos e quando nos permitem, balbuciamos baixinho, para que não nos escutem: “Como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano, quero lançar um grito desumano, que é uma maneira de ser escutado. Esse silêncio todo me atordoa. Atordoado eu permaneço atento. Na arquibancada pra qualquer momento. Ver emergir o monstro da lagoa”.

         Aludindo um refletir que seja tal qual fumaça em fresta de porta, que se apresente forte como uma esperança que faz florescer um “Esperançar”, que ame corajosamente, apesar dos reveses que fazem com que tombem os corpos que ousam amar o amor, a natureza Amazônica, e as humanidades, e que não atende aos rótulos do convencionalismo extremamente fundamentalista, tacanho, perverso e excludente!

         Nos inspiremos no amor subversivo de Jesus de Nazaré, para todas, todos e todes, e sem acepção. Aceitemos a licença poética do cancioneiro e nos permitamos compreender que segundo ele, o poeta, “o Amor é um Ato Revolucionário".

 

 

Referências Bibliográficas

 

A Gênese (Kardec, 2018) p. 58 KARDEC, Allan. A gênese. Federação Espírita André Luiz, (FEAL), 2018.

Bíblia de Estudo Perguntas e Respostas MC. São Paulo, 2016.  Lucas10:27; Mateus 25,35:36.

Espiritismo, Educação, Gênero e Sexualidades. Um diálogo com as Questões Sociais. JÚNIOR, Alexandre,  Recife: CBA Editora, 2022. 

O livro dos espíritos: princípios da doutrina espírita. Livraria Allan Kardec Editora, 2007.

O Livro dos Médiuns (Kardec, 2017). KARDEC, Allan. O livro dos médiuns, EDICEL, 2017

Pedagogia da Autonomia. (Freire, 2011) FREIRE, Paulo. São Paulo: Editora Paz e Ter[1]ra, 2011.

Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018),  KARDEC, A. Revista Espírita. Tradução de Julio Abreu Filho. Livraria Allan Kardec Editora, (LAKE). 2018.

 

Músicas

O Bêbado e o Equilibrista. Letra de Aldir Blanc e João Bosco.

Bastidores. Letra de Chico Buarque.

Cálice. Letra de Chico Buarque.

O Amor é Um Ato Revolucionário. Letra de Chico César.

Decolonizar – Descolonizar – Contracolonizar – Ecologia decolonial

  Muito tem-se discutido sobre os temas acima, e gostaria de trazer o pensamento de alguns autores sobre eles. Nós que moramos no hemisfério...