O capitalismo institui, a partir de
suas estruturas cruéis e nefastas, o valor à vida humana. Desta forma, o Estado
distribui seu capital e serviços a partir da valia que ele dá aos corpos
beneficiados pelos mesmos. Ou seja: o valor dessa mesma vida depende da
representatividade social a que pertence este sujeito!
Entendemos facilmente por que o Brasil;
é o 4° país no planeta que mais mata ativistas ambientais.
Antes de qualquer altercação
secundária: Quem matou e quem mandou matar Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes? Quem matou e quem mandou
matar o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips?
Na
esteira do capitalismo, o neoliberalismo, sua versão mais excludente, comunga
com as práticas fascistas e com a produção da chamada necropolítica. Não
desejam a vida ou o respeito à natureza, mas sim o lucro e o poder acima de
tudo e de todos!
Daí
surgir a pergunta: Quanto Vale uma Vida?
Onde
estão concentrados os grandes investimentos do Governo na proteção social das
pessoas? O aparelhamento do Estado visa servir a quem?
Diante
da realidade apresentada nestas reflexões iniciais, indagamos: Onde está o
Movimento Espírita Brasileiro Hegemônico Federativo Institucionalizado, diante
de todas estas realidades sociais aterrorizantes e perversas dos dias atuais? Em
quantas notas o referido Movimento se manifestou sobre está realidade social?
Qual o seu posicionamento diante deste descalabro? O silêncio e a omissão são
formas de comunicar?
Conclamamos
reflexões que nos levem a entender que o espiritismo não é omisso às questões sociais
de nosso tempo, bem como não é apolítico; senão vejamos o que nos fala Kardec. Comecemos
com o Livro dos Médiuns (Kardec, 2017): “O Espiritismo, já o dissemos, se
relaciona com todos os problemas da Humanidade. Seu campo é imenso e devemos
encará-lo sobretudo quanto às suas consequências”. Ora, se o próprio Kardec
fala abertamente sobre a relação do Espiritismo com todos os problemas humanos,
de onde vem a negação desta realidade de uma parte muito significativa dos
Espíritas brasileiros?
Trazemos
a discussão agora a partir de um artigo da Revista Espírita de Junho de 1868:
O
Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de
progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se
encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão
para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os
preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância. (Kardec, 2018),
Neste
ponto específico, os preconceitos sociais são caracterizados por Kardec como um
dos inimigos do progresso humano – compreendemos desta maneira, e por isso
dizemos repetidas vezes: não haverá mundo de regeneração sem igualdade e
justiça social, até vencermos estes inimigos comuns citados no texto acima.
Damos
prosseguimento às nossas reflexões Kardecianas, agora usando A Gênese como
base:
“Com
a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raça e de casta, já que o mesmo
Espírito pode renascer, rico ou pobre, grande senhor ou proletário, mestre ou
subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos
invocados contra a injustiça da servidão e da escravatura, contra a sujeição da
mulher à lei do mais forte, não existe nenhum que supere em lógica, o fato
material da reencarnação. Desse modo, assim como a reencarnação fundamenta numa
lei da natureza o princípio da fraternidade universal, também fundamenta na
mesma Lei o princípio da igualdade dos direitos sociais e, por consequência, o
da liberdade. ” (Kardec, 2007)
A reencarnação, aqui expressa
pelo querido Professor Francês, não possui uma ideia em si mesma de criar
castas e/ou justificar a opulência de uns e a total falta de outros, não valida
a famigerada meritocracia, seja ela do mundo dos vivos ou do mundo dos mortos. Assim,
(Júnior, 2022) nos diz: “Nesse sentido, nenhuma hegemonia cultural, econômica
ou social opressora deverá encontrar a sua razão de existir na forma de se
conceber a reencarnação, tendo o Espiritismo como referencial teórico”.
Compreendemos que a partir da reencarnação
em uma perspectiva Espírita, a ideia é que todos, todas e todes tenham as
mesmas possibilidades, partindo o Espiritismo da visão de um ser integral, de
proporcionar-lhes possibilidades para a ampla ação de vida, para que todas as
suas potencialidades possam ser motivadas a serem vivenciadas e ampliadas no
espiritual, no afetivo, no emocional, no material e no social.
Assim, (Júnior, 2022), continua:
A
reencarnação tem uma ação educativa em vez de punitiva. Divina e diametralmente
oposta à demoníaca; libertadora e antagônica a qualquer tipo de postura
aprisionante. Sua ação sobre nós é de possibilidades de aprendizado através de
sucessivas oportunidades, nas quais vamos, por intermédio dos embates sociais,
concordando e discordando, formatando-nos como cidadãos cósmicos, seres
universais, criaturas divinas, constituindo-nos naquilo que somos. (Júnior,
2022),
É importante posicionarmos os
nossos pensamentos sobre a reencarnação, já que a mesma robustece, valida e
legitima a nossa busca por igualdade e justiça social a partir da compreensão
do Espiritismo.
Damos prosseguimento às nossas
digressões Kardecianas, desta vez usaremos O Livro dos Espíritos, na pergunta
806. “A desigualdade das condições sociais é uma lei natural? Não, ela é obra do homem e não de Deus.”
Compreendemos que não sendo essas desigualdades e injustiças sociais ações
divinas, cabe portanto a quem as criou o dever de extirpá-las! Desta maneira,
as ações de enfrentamento às causas dessa problemática precisam e devem ser amplamente
combatidas – e não apenas os seus efeitos! Combater a fome é extremamente
necessário e urgente. Mas perguntar e entender por que tantas pessoas passam
fome é imprescindível.
Assim vamos estabelecendo de que
maneira as relações sociais vão se instituindo e como produção de políticas
públicas que contemplem as diversas demandas de nosso povo são importantes,
levando em consideração as especificidades construídas a partir das diferenças
culturais e identitárias que nos formam!
Ainda no Livro dos Espíritos, está a pergunta
799, com sua respectiva resposta:
Por
que meios pode o Espiritismo contribuir para o progresso? “Ao destruir o
materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz os homens
compreenderem onde estão os seus verdadeiros interesses. Por não estar mais
velada pela dúvida, o conhecimento da vida futura será apreendido pelo homem,
que entenderá que pode assegurar o seu futuro pelo próprio presente. Ao
destruir os preconceitos de seita, casta e cor, o Espiritismo ensina aos homens
a grande solidariedade que deve uni-los como irmãos. ” (Kardec, 2007)
Possuímos um enorme desafio, a
partir do que chamaríamos de um Espiritismo espiritualista – embora pareça
redundância – instituirmos a possibilidade de nos vermos irmãos, sem negar as diferenças
que nos formam. O não respeito a este pensamento torna o Movimento Espírita
Brasileiro Hegemônico Federativo Institucionalizado materialista, assim como
nos diz Alexandre Júnior, no seu livro Espiritismo, Educação, Gênero e
Sexualidades: Um Diálogo com as Questões Sociais:
O
movimento espírita brasileiro é materialista quando valida os preconceitos, não
luta contra eles de forma orgânica e não tem, por exemplo, uma campanha
“oficial” contra os preconceitos. É materialista quando institui em suas
relações sociais internas e externas o processo de hierarquização dos corpos,
no seu “modus operandi” (Júnior, 2022)
Chegamos a estas reflexões
para podermos compreender um dos motivos pelos quais, segundo nossas pesquisas,
o referido Movimento convive com as desigualdades e injustiças sociais e não
possuí ações discursivas, pedagógicas ou práticas para lidar com as mesmas. E
desta forma, torna-se incapaz de ajudar na formação de um Ser Espiritual dentro
da cultura do seu tempo.
Este silêncio promovido pelo Movimento
Espírita Brasileiro Hegemônico Federativo Institucionalizado é ensurdecedor, e como
vimos, não se sustenta em Kardec. Reproduz em suas práticas as normas sociais
vigentes, guiada muitas vezes por um religiosismo que beira o fundamentalismo, e
que por sua vez é alimentado por um conservadorismo extremo. E este processo
não coaduna com as práticas do nosso guia e modelo, Jesus de Nazaré.
Será que o Jesus dos Espíritas verdadeiramente
“não comprou uma pistola, porque em sua época não existia?”, ou será que ele
defende a tese de que “bandido bom é bandido morto?” Ou ainda que direitos
humanos serviram para “humanos direitos?” Ou ele teve 4 filhos e no 5º “fraquejou”,
daí nascendo uma mulher? Será que ele diria à mulher adúltera: “Não te estrupo
por que você não merece?”. Ou talvez:
“Meus filhos não namorariam uma negra por que foram bem educados!”. Estas são
falas em voga na atualidade – seriam elas relacionadas verdadeiramente com o
Evangelho?
Seria possível conjugar em uma mesma
frase Lucas 10:27: “Amarás o Senhor, teu
Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de
todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”, mas “bandido bom é bandido morto”?
Ou
ainda consoante expresso em Mateus 25, 35:36. “Porque tive fome, e me destes de
comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava
nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me”, e assim “façamos
arminha com as mãos” e defendamos a necropolítica, a política armamentista. Ou
que ainda não nos incomodemos com os assassinatos de Chico Mendes, Irmã Dorothy
Stang, Marielle Franco, Anderson Gomes, Miguel Otávio, Dandara dos Santos,
Evaldo Rosa e tantas anônimas e anônimos que tombam com seus corpos
transgressores sem vida, para que os “homens de bem” tenham bons sonhos!
Precisamos construir diálogos que se
sustentem teoricamente. Precisamos viver a “Religião da Intimidade”, “a Fé Raciocinada”;
mas se para vivermos alguma religião precisarmos ser insensíveis às dores de
almas que pensam diferentes de nós; se para reverenciar nosso deus negamos
vidas, e nos fechamos ao amor pelos diferentes, há algo de errado em nossa
forma de adorar!
Nos diz Freire: “A educação é um ato de
amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da
realidade não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”.
Nas arenas romanas, os desafios eram
não abjurar a Jesus de Nazaré, e se entregar em sacrifício. As arenas do campo
sócio-político-religioso vitimaram O Cristo numa crucificação infame. Já nos
dilemas dos dias de hoje, na “nossa Pátria mãe gentil, Choram Marias e Clarices
no solo do Brasil”, pois “num tempo, página infeliz da nossa história, passagem
desbotada na memória das nossas novas gerações, dormia a nossa pátria mãe tão distraída,
sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”.
E nós apenas sentimos e quando nos
permitem, balbuciamos baixinho, para que não nos escutem: “Como é difícil
acordar calado, se na calada da noite eu me dano, quero lançar um grito
desumano, que é uma maneira de ser escutado. Esse silêncio todo me atordoa.
Atordoado eu permaneço atento. Na arquibancada pra qualquer momento. Ver
emergir o monstro da lagoa”.
Aludindo um refletir que seja tal qual
fumaça em fresta de porta, que se apresente forte como uma esperança que faz
florescer um “Esperançar”, que ame corajosamente, apesar dos reveses que fazem
com que tombem os corpos que ousam amar o amor, a natureza Amazônica, e as
humanidades, e que não atende aos rótulos do convencionalismo extremamente fundamentalista,
tacanho, perverso e excludente!
Nos inspiremos no amor subversivo de
Jesus de Nazaré, para todas, todos e todes, e sem acepção. Aceitemos a licença
poética do cancioneiro e nos permitamos compreender que segundo ele, o poeta, “o
Amor é um Ato Revolucionário".
Referências Bibliográficas
A
Gênese (Kardec, 2018) p. 58 KARDEC, Allan. A gênese. Federação Espírita André
Luiz, (FEAL), 2018.
Bíblia
de Estudo Perguntas e Respostas MC. São Paulo, 2016. Lucas10:27; Mateus 25,35:36.
Espiritismo,
Educação, Gênero e Sexualidades. Um diálogo com as Questões Sociais. JÚNIOR,
Alexandre, Recife: CBA Editora, 2022.
O
livro dos espíritos: princípios da doutrina espírita. Livraria Allan Kardec
Editora, 2007.
O
Livro dos Médiuns (Kardec, 2017). KARDEC, Allan. O livro dos
médiuns, EDICEL, 2017
Pedagogia
da Autonomia. (Freire, 2011) FREIRE, Paulo. São Paulo: Editora Paz
e Ter[1]ra,
2011.
Revista
Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), KARDEC, A. Revista Espírita.
Tradução de Julio Abreu Filho. Livraria Allan Kardec Editora, (LAKE). 2018.
Músicas
O Bêbado
e o Equilibrista. Letra de Aldir Blanc e João Bosco.
Bastidores. Letra de Chico Buarque.
Cálice. Letra de Chico Buarque.
O Amor
é Um Ato Revolucionário. Letra de Chico César.